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As árvores são fáceis de achar…

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ficam plantadas no chão.

Conheço diversas pessoas árvores, no bom e mau sentido de ser uma pessoa árvore.

Antes de continuar com meu delírio dominical, quero dizer que amo árvores, principalmente as senhoras majestosas (com barba de velho mesmo acho um charme!), fico fascinada ao contempla-las, pelos troncos largos e suas alturas, pela infinidade de tons de  verde e outras cores que produzem através de suas flores e frutos, pela sombra e por toda história que ela viveu ali fincada naquela terra.

Pessoas árvores no sentindo bom são aquelas que se banham de sol e distribuem por onde passam oxigênio, clorofila, vida. Pessoas assim me apaixono de cara, tenho vontade de abraça-las como abraçava aquela árvore querida da minha infância (meu primeiro beijo foi nela, aquele treino que fazemos no braço eu fazia no meu cedro preferido).

Contudo pessoas árvores nem sempre são só beleza e o que sempre me aperreou são aquelas que são fáceis de achar por ficarem plantadas no chão. Como me dói ver o ser preso numa ideia infeliz, que um dia servia em sua curta vida. Uma coisa é ter raiz outra deixar a raiz apodrecer.

Entendo comodismo e zonas de conforto, mas não entendo optar por não ser feliz, por não ser o que se é! Não entendo preferir com essa inércia tirar a cor dos que estão em volta, embolar todos num tom de vida pálido, um eterno outono, porque é o jeito mais fácil de se viver, porque ninguém tem a coragem de dizer: basta! Não entendo o aceitar a vida como algo “meia boca”,  aquele pensamento “isso me basta para viver”. Não entendo colocar na balança e só enxergar que os pratos estão como deveriam estar, ligar o foda-se ao ignorar que eles estão completamente errados.

Pessoas árvores apodrecem suas raízes ao permanecerem em relacionamentos, profissões, cidades, papéis que assumiram, amizades, ideologias, fé, opiniões, convicções, que simplesmente não se servem mais. Árvores ao longo dos anos vão engrossando seus troncos (todos lembram das aulas de ciências onde aprendemos que a idade de uma árvore é determinada pelo número de anéis), e talvez o que preenchia muito bem aquele anel, naquele ciclo, nessa nova camada de vida não se ajusta mais.

Então querida amiga árvore, saiba usar e abusar de sua natureza, afinal o bom de ter várias e várias camadas de anéis é saber que quando sua casca velha está caindo é porque por baixo você já tem uma nova, pronta, mais forte e mais bela.

Faça um favor a si mesmo, e ao habitat que você convive, antes de apodrecer completamente e virar árvore oca, volte a procurar novas águas e outros sóis.

Postado ao som de As Árvores com Arnaldo Antunes e Jorge Ben Jor

Previsão de Neve

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Naquele domingo melancólico o frio fora do seu apartamento batia em sua janela trazido pela chuva e vento, 2ºC era o que informava seu celular, na madrugada previsão de neve, fazia tempo que ela não a via, a neve e seu amor, ela pensou. Ex amor na verdade, ela retificou o pensamento. Na verdade já não sabia o que aquela mulher significava, alguém que um dia significou tanto, aos olhos do tempo se torna quase sem contorno, menos que uma sombra. Estranho era o amor, ou as pessoas, nunca tinha chego à uma conclusão.

Precisava de uma boa caneca de chá, porém não era só frio do ambiente que a estava incomodando, era o frio que vinha de dentro. Há tempo sozinha, há tempo se protegendo do sofrer, há tempo a solidão era sua companhia, estava cansada, ela sabia. Opção ou falta de opção, isso não sabia. Aliás, existiam muitas coisas que ela não sabia sobre ela mesma. O fato é que a previsão da neve despertou nela lembranças e dores, e as cicatrizes começaram a coçar, algumas tinham se tornado quelóides, outras marcas de verão na pele. Fazia tempo que elas não a incomodavam, afinal tinha escolhido não pensar mais no que se fora, nem em quem ela se tornara, com isso ela também ficou suspensa em sua vida. “Vida só de coisas boas não existe”, t’aí outra cousa que ela sabe.

Contudo, noites gélidas e domingos têm essa força dentro dela, de jogar o frio na cara e a solidão nos pés, geralmente ela se mantinha forte, mas a previsão de neve, há mais de uma década não nevava em sua cidade, estava pesando demais e quando no celular chega a mensagem, de algum amigo desavisado sobre seu estado emocional naquele momento, perguntando como ela estava, não aguentou, foi como uma facada e no chão sentou para sangrar.

Lá ficou por milhares de segundos, chorando através de todas as cicatrizes, lembrando de momentos, diálogos, caras e caretas. Recordando antigas lágrimas, sonhos abandonados, planos nunca concretizados, amores destruídos, sorrisos perdidos, amizades indo, fatos nunca acontecidos. Solidão no olhar, coração carente, pernas fechadas para o toque.

Lá ficou até as lágrimas secarem e ter a coragem de levantar, o chá agora gelado não fazia muita diferença, estava exausta, seu passado lhe cansava, mas mais ainda o futuro que nunca chegou, ela sentia nessas horas que ainda corria para Ele, mesmo tendo a certeza de que Ele nunca viria a ser presente. Não sabia como desapegar, não sabia como se apegar.

Foi para a janela, a neve já tinha coberto a grama, e caía forte, – 3ºC, mais frio que isso ela tinha certeza que nunca seria, era disso que ela precisava, só disso, a chance de voltar para o zero. E ali naquele momento, fitando o termômetro, ela soube que pelo menos nos próximos anos não iria nevar.

Postado ao som de Norah Jones – Good Morning

Às vezes acontece…

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E de repente virou amor, depois de tanto tempo, de tudo tão estabelecido em nossas vidas, eu me vi te amando. Me pergunto como aconteceu? Por que aconteceu? Não fazia parte dos planos, o combinado era você vir, me dar prazer e ir, como se fôssemos dois estranhos, repetindo o mesmo ato ensandecido pós bebedeira que nos uniu. Mas você resolveu ser gentil, se preocupar, me dar carinho, colo, você virou meu amigo, meu amigo!. E com isso, você mostrou o que de melhor tinha dentro do seu coração e começou a fazer meus dias mais leves e meu sorriso se entregou para você com uma facilidade assustadora. Mas como Rainha de Espadas que sou, eu racionalizei tudo o quê estava acontecendo do alto do meu trono com extrema segurança e a arrogância que eu jamais me deixaria levar. Mas a cabeça não manda quando a alma vibra, e num misto de dor/amor e desprezo por você ser tão bom comigo eu concluo que está na hora de você ir. Vá e me deixe aqui no meu mundo, que ele é de pedra e seguro. Vá e leve consigo todos os meus gozos e suspiros. Te arranca da parede e do meio da minhas pernas. Leva seu cheiro, seu corpo que tanto me pesa nessa hora e essa presença invisível que ronda pela minha casa como um mal olhado que me deseja, leva tudo de bom que você tem, porque não é para mim, nunca foi e nunca será, e pelo menos com relação a isso eu ainda consigo pensar.

Postado ao som de Massive Attack – Teardrop

03:30

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Era madrugada de um sábado qualquer, estava na cama fazendo algo que não lembro, quase dormindo ou brincando de ficar acordada. Meu celular toca, atendo e escuto sua voz trôpega, embalada por algumas doses de vodka: “por que ele não me ligou Ju?

Não consigo imaginar quantas vezes eu mesma me fiz essa pergunta, e como nunca tive uma única resposta que me convencesse. Então, como responder para minha amiga que naquele momento de bebedeira estava com todos os sentimentos à flor da pele, meio chorosa, saudosa, apaixonada, abandonada, com mil fantasias vibrando na pele que não foram realizadas, porque ele não ligou…

Eu poderia ser completamente racional, e assim magoa-la, falando algo que pode ser óbvio para muitos, ele não ligou, porque não quis ligar. Poderia também ser romântica, como muitos nessas horas, e dizer que ele não ligou, porque ele ficou com medo, o amor assusta, e ele foi só mais um dos tantos covardes que ela cruzou ou irá cruzar.

O fato é, que não tenho como responder, jamais teria como saber a resposta e fui sincera, falei com a voz mais cheia de carinho possível, para tentar amenizar a dor dela, e disse: eu não sei amiga, eu não sei porque ele não te ligou. Do outro lado o choro.

Era tudo o que eu poderia fazer por ela naquele momento, escutar ela chorar. E enquanto ela chorava, eu me perguntava, se ele teria a resposta. Penso que não, penso que muitas vezes nem a própria pessoa consegue responder o porquê.

E o triste da madrugada bêbada é justamente perceber que a vida não é filme e as coisas nem sempre são tão bem resolvidas, nem sempre temos ponto final ou de exclamação no final da cena. Na maioria das vezes temos que dormir com a dor no peito, o enjoo nas vísceras, os diálogos infindáveis na cabeça e a dúvida.

Me pergunto quantes vezes na vida eu fui a pessoa que não ligou, não lembro. Isso me faz concluir que todas às vezes que não liguei foi porque realmente a pessoa não importava para mim. Todas as outras eu liguei, fui atrás, e vivi o que a gente podia viver.

Mas essa sou eu, sou daquelas que não foge, que faz acontecer quando quer algo, que vive, mesmo se o medo chegar e os alarmes soarem, eu vou viver o que estiver com vontade, o que faz meu coração pulsar e meu corpo estremecer. A única coisa que pode me impedir de viver é justamente se lá do outro lado da linha a pessoa resolver não atender.

Postado ao som de Galope Rasante – Geraldo Azevedo e Zé Ramalho

O dia que eu cheguei atrasada

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Lá estava eu no casamento daquele homem, lindo, com aquele olhar meigo e aquele sorriso que ilumina, que sempre transbordou amor ao me olhar. Ele me viu crescer, primos, crescemos entre encontros e desencontros. Da paixão da adolescência para o casamento parece que foi um pulo. Passamos anos afastados, a juventude desenfreada onde cada um andava com a sua turma, depois as faculdades e aí nos tornamos adultos e cada um seguiu o rumo da sua vida profissional, em cidades diferentes daquela que nos juntou ainda bebês. Às vezes encontros ao acaso no elevador do prédio de nosso pais, outras em festas da nossa querida família. A cada encontro a total falta de assunto, o desconforto de duas pessoas que viraram adultas e nunca conseguiram viver seus desejos e sentimentos um pelo outro. Encontros rápidos selados por abraços e saudades, muitas saudades.

Eu não lembrava o quanto ele era bonito, o quanto ele me encantava com aquele sorriso bobo. Eu não tinha observado que ele já era já homem feito até o seu casamento. Ver ele entrar naquele salão ao lado de sua mulher, fez meu coração saltar, estava errado aquilo, era para eu estar ali ao seu lado, era para nós termos ficados juntos, estava tudo errado naquela cena. E só naquele momento percebi o curso que minha vida fez, só ali eu enxerguei que me perdi dele, e me perdi porque quis.

Ao nos encontrarmos ele disse ao meu ouvido que me amava, aquele amor que eu reconhecia porque sentia, uma mistura de amor fraternal com o carnal que nunca soubemos lidar. Minha vontade era pegar em sua mão e sair dali, ter a coragem de dizer: “para tudo, é comigo que você tem que ficar, é ao meu lado que você tem que construir sua vida, é a nossa vida que você está nos tirando”. Insano da minha parte seria, e calada fiquei com peito esprimido, latajente, minguando aos poucos.

A festa foi noite a dentro e entre olhares cruzados e sorrisos de felicidades, fui me conformando que atrasada eu estava. Quando fui embora procurei ele em todos os cantos e o achei sozinho bebendo sua última dose antes de começar sua vida como marido. Ao me abraçar, ele me beijou na boca e disse mais uma vez que me amava. Olhei nos olhos e correspondi dizendo que eu o amava/amo muito também. Embora fui, com o corpo estremecido, desejando-o, de uma forma que eu nunca antes o tinha desejado.

Mas era tarde, tarde demais para nós dois.

Postado ao som de Federico Aubele – En Cada Lugar

O silêncio que precede a dor

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Eu senti uma pontada seguida da dor física mais profunda e gélida que eu houvera sentido, o sangue rapidamente se espalhou no branco da roupa daquela mulher que me segurou em seus braços, já não sentia mais nada quando ela me disse que tudo iria ficar bem, pedi para ela não me deixar morrer sozinha, e escuro se fez.

A primeira vez que ele me machucou foi quando pediu para eu trocar de roupa porque ela não estava adequada, afinal, eu não era mais a vadia que ele conheceu. Na época, boba e apaixonada, nem entendi o quão grave era e quão destrutiva foi minha atitude em aceitar. Aquele primeiro ato de violência, encoberto pelo ciúmes que bonito achei, foi só o começo de tudo o que eu viria passar. Aí foram os amigos, meus gostos, minha diversão, meu sorriso. Aos poucos eu ia deixando ele me despedaçar e destruir qualquer coisa que me fazia ser.

Já com a personalidade e estima aniquiladas ele socou minha face, lembro que eu estava feliz, fazia alguns dias que ele estava calmo e carinhoso e eu respirava aliviada sem sentir medo. Ele nunca tinha me batido e aquele dia por causa de um comentário bobo sobre outro homem, no meio de um almoço qualquer de domingo, ele levantou enfurecido e com seu punho fechado marcou meu olho e minha alma para sempre. Arrependido segundos depois caiu em meus pés chorando, enquanto eu zonza, machuda, sentindo o gosto do sangue na boca, chorava acoada.

Eu o perdoei, como já tinha perdoado, e iria perdoar, todos os outros estupros mentais que ele havia cometido contra meu ser. Depois daquele dia, quando a barreira da violência foi ultrapassada para o físico, os machucados foram constantes, até a vez que ele me chutou até quase a morte, estava caída no chão, e ele continuava me chutando, a cabeça, meus órgãos, minha boca, enquanto eu ria amortecida e louca pensando que não teria nunca mais o mesmo rosto, e que no fundo eu merecia, afinal….

Dias depois desse episódio esgotada me arrumei, pus uma roupa linda, arrumei meu cabelo, um salto e maquiagem leve,  de longe vi no espelho a mulher que um dia eu fora, e caminhando até a porta avisei que estava indo para nunca mais voltar. Estranhei quando ele me deixou ir sem falar nada e estremeci quando vi seu sorriso. Minutos depois, já na estação de metro perto de nossa casa, começando a sentir o gosto da paz, ele veio, sem nem eu ver daonde, e me esfaqueou três vezes.

Enquanto tudo escurecia e os olhos daquela mulher anjo de branco-sangue me fitavam com tanta compaixão, eu mais do que nunca tive a certeza que ele tinha razão, sim, eu merecia tudo aquilo.

Postado ao som de 3-11 Porter – Surround Me With Your Love

Voltar atrás

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Porque eu não sei voltar atrás eu te perdi, meu orgulho mais uma vez me jogou ao chão. Você me falou com toda a coragem e peito aberto, com aquela intensidade que só uma mulher tem ao declarar o seu amor, disse que estava apaixonada por mim com todas as letras, emoções, olhos e alma. Lindamente sua boca se movia misturando a raiva, por eu ter desistido cedo demais de você, com a paixão, me pedindo intimamente para não voltar para ela. Você sabia que eu estava apaixonada, eu não conseguia mais esconder, era para você que eu corria quando tudo ficava nebuloso, era com você que eu gostava de conversar, era ao teu lado que eu relaxava. Você sabe que eu ainda penso em você, não é? Para uma mulher inteligente e sensível como és pouca coisa se perde. Só que inteligente também eu sou e sei que agora me achas uma covarde, e te digo honestamente que nem sei mais como te olhar. Ao te repelir, no intento de resguardar algo que há muito eu sabia que não era para ser, só me fiz ferir. E aqui estou, sozinha, com o coração em você, às vezes me aquecendo ao lembrar do calor de sua pele, outras vezes feliz ao lembrar da sua voz e a sua boca que tanto me falou coisas boas, que tanto me beijou, outras tantas exaltada ao lembrar de sua mão percorrendo meu corpo, me dando afeto e me echendo de abraços e amor. Me diz o que eu faço? Me diz se você me aceita? Me diz pelo menos se posso ser sua amiga? para pelo menos estar perto de você, de alguma forma te escutar, te sentir, te tocar, absorver tudo o que você me traz de bom e paz. Me deixa eu tentar novamente. Me deixa te conquistar novamente. Me ajuda voltar atrás e recomeçar. Me deixa, por favor, ser tudo aquilo que eu sei que posso ser ao seu lado. Me deixa…

Postado ao som de Maria Gadú e Luis Kiari – Quando Fui Chuva

E por falar em saudade

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Te esperei estapafúrdia esperançosa até o último minuto antes de voltar, jurava que me impedirias de ir, que aparecerias em seu cavalo branco com flores na mão e seríamos felizes para sempre. Esqueceste que sou só uma menina querendo receber e dar amor, e como toda menina acredito em príncipes encantados, em amores à primeira vista e infinitos, no romance quase puro, na bobeira da paixão, em sonhos vividos através dos sorrisos, nos olhares suplicantes de dois amantes, nas besteiras e intimidades da cama. Ao me fazeres pequenas promessas encheste meu coração de certezas, de momentos futuros e felicidade. Ao me confidenciar seus segredos me deixaste confortável para lhe entregar o meu pequeno tesouro, sempre tão bem guardado para meu amor. E agora foste embora, como pudeste ir? Por que não ficaste para ser meu príncipe? Deixaste-me sentindo tão pequenina e minguada, sozinha abandonada no meu castelinho. Puxa, não sei mais se te espero ou se espero o próximo cavalo branco passar. Então me faça o favor de mandar um sinal, adoraria receber uma carta de amor, porém, se não for condizente com que sentes pelo menos mande um recado para me recordar que devo te esquecer. Por favor, qualquer coisa, alguma coisa, e mais a chance de te dar adeus.

Postado ao som de Vinicius de Morais – Onde Anda Você?

“E entre tudo que ele poderia ser para mim, ele escolheu ser saudade” Caio Fernando Abreu

Através dela

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Ela apareceu machucada, semi-morta, não sentia nada, não queria sentir nada, nada, além da dor.

Contraria a tudo o que desejo e acredito, ela me entorpeceu de compaixão, e algo me fez continuar do seu lado, me fez querer passar um pouco do meu amor, dos meus desejos e até da minha insanidade. Tínhamos olhares diferentes para quase tudo, sua simplicidade me revoltava, sua humildade me rebaixava, sua resiliência me indignava, sua dor me enchia de raiva, porém seus machucados me aquietavam, neles eu me identificava, era para estancá-los que eu fiquei, porque através dela eu estancaria o meu sangrar.

Fomos caminhando, ora afastadas, ora discutindo, ora nos ignorando, ora sendo apenas uma, ora sorriso, ora desejo, ora tesão, ora amor, ora amizade, ora carinho e na maioria das vezes, a despeito de tudo, éramos cuidado. Eu a vi se transformando, enquanto torpe eu me curava também, a vi se enchendo de luz e beleza, enquanto me via refletida bela em seus olhos. Senti sua pele se aquecer ao mesmo tempo que meu corpo acordava. Vislumbrei seu sorriso, quando finalmente reaprendi a rir. Encontrei seu amor, novamente refeito, quando minha alma finalmente transbordava.

Pequena e fraca, ela me fez mais forte do que nunca. Inteira e forte, ela me tornou indestrutível.

Postado ao som de Rastapé – Foi Deus que fez você

Acaso

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Tateando-a com os meus olhos a fui despindo lentamente enquanto ela caminhava em minha direção, era como se fosse a primeira vez que eu via aquela figura, que tanto me intrigava, na minha frente. Nossas olhares sempre nos desconcertaram, sentimentos contraditórios – ela se sentia desprotegida e eu segura por ela estar ali.

Há tempo esperava pacientemente o acaso nos unir, há muito ela tinha decidido que a vida seria mais fácil sem eu estar nela, eu a respeitei, a minha também seria. Desconcertada pela coincidência, como se elas existissem, ela me abraçou.

Em meio a sorrisos sem graças ela começa falar de sua vida, o que aconteceu nesses últimos anos, o que acontecerá nos próximos. Enquanto eu a escutava a falar nervosamente, meu corpo se entorpecia daquele calor que me era tão familiar.

Em segundos eu estou na cama com ela, matando aquele desejo que ficara guardado todo esse tempo, sentindo minha pele derreter na dela enquanto eu toco seu corpo e o sinto estremecer a cada digital impressa em sua pele e concavidades. Mato a vontade da minha boca sugando seus líquidos e suor, devorando suas partes mais íntimas, sentindo seu gosto que jamais saiu da minha língua. A beijo profundamente enquanto a penetro delicadamente, ela me beija delicadamente enquanto me penetra profundamente. Sinto suas mãos e língua percorrem todas as minhas costas e pararem no lugar do meu corpo que ela mais gosta, sem forças e ofegante me entrego aquela mulher que consegue despertar todos os meus poros e sentidos.

Sou despertada por um beijo de despedida, sem nem saber sobre o que conversávamos, aceito que ela está indo, tudo o que sentimos ainda é muito forte, ainda lateja. Ela dá pequenos passos e num gesto vira dizendo que sente muita saudade, eu também sinto, penso comigo. Sorrio e deixo ela ir com a certeza que o acaso irá nos dar mais uma chance.

Vendo ela se afastar sinto a angústia de ser tão humana, de ter essa consciência, essa triste consciência de quão estúpidos somos quando não nos deixamos nos levar pelo o que sentimos e desejamos.

Postado ao som de Bicho de Pé – Platonismo